segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O fim da ambiguidade dentro do corpo

Imagine acordar todos os dias de manhã e não se reconhecer no espelho ou, pior, ser uma mulher mas viver durante décadas presa no corpo de um homem. Após 14 meses da polêmica inclusão de cirurgia de mudança de sexo na lista de procedimentos pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), médicos de três hospitais universitários mudaram a vida de, pelo menos, 26 homens.
O número, apesar de parecer baixo se consideradas as estimativas de associações de defesa de homossexuais que indicam haver demanda no País de mil pessoas interessadas em mudar de sexo, está dentro do esperado pelas autoridades e especialistas. “São pessoas que conviviam com a dor e o sofrimento de quem vive a ambiguidade de um corpo”, explica a médica Mariluza Silveira, coordenadora do projeto Transsexualismo da Faculdade de Medicina do Hospital das Clínicas de Goiás. “Meus meninos e minhas meninas conquistam a chance de serem felizes quando saem da sala de cirurgia e superam o pós-operatório”, completa.
O grupo chefiado por Mariluza já fez 35 cirurgias em homens que receberam órgãos sexuais femininos, no entanto, apenas sete delas, todas realizadas este ano, foram enquadradas na Portaria 1.707 do Ministério da Saúde, de agosto do ano passado. “As outras foram anteriores à mudança na lei. Com jeitinho, a gente conseguia incluir um ou outro gasto com as operações na planilha do SUS, mas a maior parte do dinheiro vinha dos cofres da universidade”, explica. “Ainda é assim porque o SUS repassa apenas R$ 1.300 para cada cirurgia. É pouco”, afirma. Nas clínicas particulares o custo do procedimento varia entre R$ 12 mil e R$ 22 mil.


Wesley Costa/DM
Ana Paula, que conseguiu fazer a cirurgia pelo SUS ao lado de uma foto sua mais jovem

Além disso, o Projeto TX – apelido dado pelos meninos e meninas ao programa de Goiás – também operou sete mulheres que ganharam pênis. “Infelizmente a transformação de feminino em masculino ainda não foi aceita governo e nem pelo Conselho Federal de Medicina por isso não temos como fazer mais”, explica. O motivo da não inclusão da cirurgia na tabela do SUS é o fato de que ainda é considerada experimental. Mas, para Mariluza ainda há muito preconceito envolvendo a prática.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a transsexualidade um tipo de transtorno de identidade de gênero, ou seja, a pessoa é de um gênero diferente do designado no nascimento, tendo o desejo de viver e ser aceito como sendo do sexo oposto. Foi o que aconteceu com Ana Paula que aos 39 anos tem a chance de se reconhecer e de poder viver. (leia entrevista abaixo)
Ana é determinada, condição fundamental para alguém se propõe a mudar de sexo. Afinal, é difícil imaginar procedimento tão aflitivo quanto o que cria uma genitália feminina a partir da masculina. A pele e os nervos do pênis são utilizados para revestir internamente a fenda aberta no períneo, a chamada neovagina. Mas a maioria das operadas aprova o resultado e conseguem sentir prazer, principalmente no fundo do canal vaginal, onde é adaptada a glande do pênis, que é muito sensível.
Vale destacar que a cirurgia é delicada e envolve riscos graves como infecções, incontinência urinária e formação de feridas nos lábios vaginais causadas por má circulação. Algumas pacientes precisam passar por nova intervenção. Por isso, a portaria do SUS determina que exista uma estrutura de acompanhamento psicológico, social, jurídico e de reabilitação física. Para se TR uma ideia, são necessários dois anos de terapia antes da operação.
Quadro
Até o momento, o Ministério da Saúde já pagou por 26 cirurgias de mudança de sexo. Veja:


UF   Frequência Valor Total
Hospital Universitário
Pedro Ernesto (RJ)
R$11.534 
Hospital das Clínicas (RS)  10 R$13.743
Hospital das Clínicas (GO)   7 R$ 9.053
Total   26  R$ 34.330
Entrevista
Ana Paula Rodrigues, de 39 anos, passou o inferno antes de fazer a cirurgia de mudança de sexo no Hospital das Clínicas de Goiânia. Moradora de Nazário, uma cidade de apenas oito mil habitantes a 60km da capital, ela apanhou e pensou em se matar. Sem o SUS, não poderia realizar o sonho de ser mulher.
Como você decidiu fazer a cirurgia?
Sempre fui mulher só que no corpo de um homem, como se eu tivesse uma vagina no cérebro e um pênis no corpo. Mas quem me explicou isso foi um médico em São Paulo quando eu já tinha quase 30 anos. Antes disso, eu vegetava e não vivia. Agora, estou indo para a quarta cirurgia porque tive complicações e minha vagina fechou. Mas não me arrependo de nada e faria tudo outra vez.
Você nasceu e morou a vida inteira em uma cidade pequena do interior. Sofreu ou sofre com o preconceito?
Hoje que eu sou operada, sofro menos. Mas apanhei demais na rua, fui impedida de estudar. Quando era mais nova, se queria sair de casa tinha que pensar no caminho que eu ia fazer para andar em ruas desertas ou levava porrete na cabeça. Sofri tanto que tentei me matar duas vezes, com 18 e 19 anos, cortando os pulsos e com veneno. Foi Deus que me salvou.
E como você escolheu o seu nome? 
O pessoal da universidade veio aqui em casa com uma lista de nomes, todos de travesti. E eu não gostei de nenhum. Queria um nome fácil, bonito e leve. Você conhece algum travesti com nome de Ana Carolina ou Ana Paula? Não tem.
E o que é um nome de travesti?
Uns bem enfeitados com muito h ou y. Tem também aqueles que escolhem nome de atriz de cinema ou cantora como a Diana Ross.
E como é a sua vida hoje. Tem namorado?
Tenho um salão de beleza aqui em Nazário e namoro um rapaz. Antes da cirurgia, tinha homens no meu quarto e inimigos fora de casa. Depois comprei um radinho e mandei uma carta para um programa de amor dizendo que queria um companheiro. Namoro um moço mais novo e que trabalha como lavrador em uma roça aqui perto. Somos muito felizes.

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